quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Cristãos

- E aí, onde vai passar o Natal?

- Ah, nunca gostei de Natal. Minha mãe nunca gostou e a gente cresceu sabendo que é uma festa triste, só pra quem tem dinheiro pra dar presente. Aquelas musiquinhas tristes, tudo triste. Pra gente é um dia como outro qualquer.

- E Ano Novo?

- Ah, aí é mais legal. A gente sai com os amigos, toma umas brêja e volta só quando o dia está claro.

- Outra festa dessas que eu gosto é a Páscoa. Feriado quase a semana toda e muito chocolate.

- Eu também só gosto do chocolate. 

Ouvi isso ontem, de duas mulheres que estavam sentadas atrás de mim no ônibus e lembrei que em Salvador a Sexta-Feira Santa é o dia que mais se come no ano...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Amém

“Ah, mãe, faz uma promessa pra ele voltar pra mim”, dizia do outro lado da linha uma voz aflita, de uma mulher bonita e inteligente, muito bem sucedida na carreira e com um currículo de conquistas invejável. 

A mãe, uma adorável senhorinha de quase 70 anos, disse que já tinha ido à missa naquele dia, mas que ia tentar ir à Igreja de Santo Expedito, que era mais poderoso ainda para certas questões. 

Já fui assim. Rezava pra tudo. Pro paquerinha ligar. Pra conseguir tirar nota boa na prova. Pra passar no vestibular. Pra não chover no final de semana. Também enchi muito o saco de Mainha pedindo para ela interceder por mim lá em riba. Ela dizia a mesma coisa: “Vou tentar São José agora. Vou fazer uma novena para ele que é infalível”. 

Semana de prova e eu ficava louca. Lembro até de uma promessa que fiz para Santo Antônio, prometendo entregar 100 cacetinhos no Hospital de Irmã Dulce caso conseguisse passar em administração, meu calo no segundo ano de faculdade. Fora uma outra que fiz num momento de extremo desespero infundado e que me rendeu não só algumas piadas como também uma despesa relativamente alta: entregar, durante sete anos seguidos, no dia de São Cosme, dois enxovais completos para bebês em alguma instituição. 

Não sei mais fazer nada disso. Até as minhas orações ficaram diferentes, meio customizadas e variando conforme o dia. Dei de presente todos os amuletos que fui juntando com o passar dos anos e que viraram minha marca registrada em alguns momentos da minha vida: uma medalhinha de Nossa Senhora da Salette, amarrada num cordãozinho azul; um cordão preto com um crucifixo de madeira; um terço de plástico branco; um anel de ouro escrito JESUS, que não tirava do dedo por nada nesse mundo e um escapulário de prata. Viraram acessórios, não estavam mais cumprindo o papel de protetores. 

Ainda bem que Mainha não lê esse blog...

sábado, 17 de outubro de 2009

Lisura

Sim, minha voz continua a mesma. Porém há um mês me rendi aos encantos da escova progessiva-definitiva-de-chocolate-de-seda-de-morango-de-luz-de-açúcar, ou seja lá qual for o seu verdadeiro nome. 

Eu poderia chamá-la de milagrosa. Poderia até ter um dia santo em sua homenagem. Eu ia ser a primeira na fila de fiéis para agradecer a bênção de ter as madeixas severamente colocadas no seu devido lugar. 

Confesso que senti certo receio de estar sendo alertada pelos céus de que o dia marcado para a transformação não era o ideal. Primeiro, porque ao chegar no salão, fui informada de que inexplicavelmente, a água tinha acabado. Como assim um salão sem água? A cabeleireira fez cara de isso-nunca-aconteceu-antes e eu saí de lá revoltada, pois o meu pensamento girava em torno da bendita escova que seria feita naquele dia. 

Tão revoltada que não vi que a porta de vidro estava fechada e acabei enfiando a cara na danada. E voltei pra casa sem escova, xingando os deuses pela falta de sorte e com um belo galo na testa. Como não costumo desistir facilmente das coisas, liguei pro salão meia hora depois de chegar em casa e, surpresa, minha sorte tinha virado: do outro lado da linha uma voz eufórica me dizia que a água milagrosamente tinha voltado e que era pra eu voltar com urgência para o salão. 

Claro que fui na velocidade da luz. Finalmente, depois de três horas e meia de produtos com cheiros indefiníveis e muito lava e seca de cabelo, pude ver no espelho o resultado de tanto sacrifício: cabelos lisos, sedosos, longos, domesticados, até rejuvenesci uns meses. Claro que o pós-operatório é um horror, com vários inconvenientes, como por exemplo, não poder, por três intermináveis dias, colocar os cabelos atrás da orelha (a parte mais difícil pra mim, já que tinha que escovar os dentes ajoelhada), prendê-los e muito menos molhá-los (leia-se não poder suar também). 

O saldo? Poder tomar chuva sem ficar parecendo Ravengar, lavar os cabelos e sair com eles molhados, assim, naturalmente, como as índias fazem. E o meu horário no salão já está marcado para daqui a três meses. Mais um evento no meu calendário anual.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Adios, cambada!

Há exatos 20 dias pedi demissão. Não que eu tenha ganhado na Mega Sena ou recebido alguma proposta indecente e sim por meu amor próprio ter gritado que eu já tinha engolido uma lagoa inteira de sapos. E eu tenho nojo dos bichos. E eu vinha engolindo desde sempre, desde quando aceitei trabalhar lá. 

Achava que um dia aquilo ia acabar e todos seriam felizes para sempre. Uma coisa que muita gente não faz, inclusive eu não fazia, é observar muito bem a empresa no dia da entrevista. Tem móveis velhos? Caia fora, pois as possibilidades de aumentos de salário são mínimas. O seu futuro chefe te implora para você começar já? Forte indício de que ninguém parou quieto na vaga e não deve ter sido por acaso. Tem mais cacique do que índio? Saiba que vai ter de tudo, menos cachimbo da paz na parada. A única chefa, mulher de um dos chefes e sobrinha do outro é muito simpática, fazendo até festinha de aniversário para você, que ainda está no período de experiência? Fuja, pois ela vai achar que isso deverá ser retribuído eternamente de diversas formas, inclusive como babá da babá da filha dela.

Aqui jaz um saco de pancadas.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Sinais

Quando entrei na faculdade, Tia Didi e Vovó queriam me dar um Fusca. Não aumentei muito a conversa pra não ficar feio pra mim, mas preferia andar de busão, sinceramente. Odiava aquela coisa barulhenta que nunca foi carro em minha concepção de aspirante a patricinha. 

Tinha uma colega de classe que tinha um azul, mas como ela tinha grana, era algo style. Nem ela aguentou a galera zombado do pobre e logo logo me apareceu com um Pointer. Anos e anos depois, minha irmã arranjou um paquerinha que foi buscá-la em casa com um Fusca bege. Eu tive uma crise de riso e tirei sarro da cara dela a semana inteira. 

Como Deus não gosta de nada mal feito, na semana seguinte foi o meu paquerinha que me apareceu com um bendito Fuscão vermelho sangue e, claro, fui alvo de minha irmã por mais de um mês, que dizia ter sido a vergonha dela mais light do que a minha, pela diferença de cores dos possantes dos nossos pretês. 

No ano passado, não me lembro bem quando e por qual motivo, comecei a sentir umas coisas estranhas toda vez que via um Fusca rodando na cidade: uma vontade de ter um, uma inveja de quem tinha, já me via até lavando o meu na porta de casa. Vi que o negócio estava ficando sério quando quase comprei um chaveiro super fofo, com uma miniatura do dito cujo estilizada, mas me contive a tempo. 

O pior de tudo é que pra todo canto que olho eu vejo Fusca, em plena São Paulo, em bairros nobres, periféricos, centrais, eles resolveram sair e desfilar na minha frente pra eu decidir qual será a cor e o ano do meu. Falei por alto dessa nóia pra minha irmã que disse: “Afe, Deus é mais. Compra um Uno, menina! Fusca, ninguém merece!”. 

Minha prima foi mais dura: “Nem invente de me buscar no aeroporto de Fusca, prefiro ir de ônibus”. Ontem, enchi o saco de Marquinho dizendo que quero porque quero um fusquete. Primeiro ele disse que um “fuca” sempre cai bem, mas depois disse que um Paliozinho, talvez, por que não? 

Ou seja, ninguém está entendendo o que passa na cabeça da pessoa aqui. Pra piorar, perguntei hoje a um amigo que não via há bastante tempo quais eram as novidades e ele me respondeu: “Comprei um Fusquinha bala, 79, bege, lindão, só vendo”.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

The Mammas and The Pappas

Sempre que posso, assisto Supernanny. É no mínimo curioso ver a coragem que as pessoas têm em expor a sua intimidade tão cruamente, talvez tentando emendar o que já está meio estragado. E nem ganham prêmios em dinheiro para tanto!

A super babá tem cara de poucos amigos, ou melhor, de governanta de internato suíço da década de 80. O seu objetivo é ensinar pais descontrolados a adestrarem seus pequenos capetinhas, com direito a frases prontas e atitudes idem. E, claro, recompensas, muitas, inúmeras, coloridas, sonoras, toda vez que alguém dá uma dentro. 

Não sou nenhuma doutora em psicopedagogia, mas quem não sabe que a mistura mães neuróticas versus pais ausentes é mais do que explosiva? O que essa galera pensa antes de ter filho? Mais de uma vez ouvi mães descabeladas dizerem que o problema estava nos pimpolhos que, provavelmente, vieram com algum defeito de fabricação ou algo parecido. 

E as caras de susto quando ouvem da hiper babá que quem tem responsabilidade sobre as crianças são os pais e não o contrário? Tudo bem, não sou mãe, falar é fácil. Mas querer discutir quem nasceu primeiro é o fim, né? E olha que estamos falando de famílias de classe média. Até hoje não vi nenhum favelado pedindo ajuda pra colocar oito filhos na coleira. Esses mandam carta, e não e-mail, pro Dia de Princesa. 

Aí sim, um programa de utilidade pública. Satisfação garantida.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

11/08

Vamos lá, dois anos em Sampa: 

- Viajei um bocadinho; 

- Ando dura, mas na fase de juntar grana; 

- Emagreci mais e mais; 

- Descobri quem realmente é amigo e quem não é; 

- Ganhei alguns sobrinhos; 

- Conheci Marquinho; 

- Ganhei mais sobrinhos, cunhadas, cunhados, concunhados, concunhadas e uma sogra abençoada; 

- Revi Mainha, Painho, Juley e Tia Didi;

- Fiquei noiva; 

- Tirei férias. 

 Enfim, sobrevivi.

Óinc-Óinc

Estávamos eu e uma colega conversando, quando a faxineira nos interrompeu meio aflita: “Cynthia, posso colocar uma lixeirinha sem tampa embaixo da pia do banheiro de vocês? É que com esse negócio de gripe, não adianta nada lavar as mãos e depois ter que pegar na tampa do lixo pra jogar a toalha de papel fora, né?”. 

Minha colega disse que o pior não era nem isso e sim a torneira – na faculdade onde ela estuda estão trocando todas por aquelas que têm sensor. Eu rebati dizendo que pior ainda era a maçaneta da porta, já que a gente lava a mão, desinfeta e acaba não adiantando nada. 

“O melhor mesmo é a gente se pegar com Deus”, disse a nossa adorável faxineira, com cara apavorada diante do pingue-pongue terrorista que acabava de presenciar.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

O valor das coisas

Almoço no mesmo lugar há um ano e oito meses. Lembro que no meu primeiro dia de trabalho perguntei aflita a uma colega onde poderia almoçar com a merreca que ia receber de vale-refeição, já que a empresa fica numa área nobre da cidade e tudo é muito, muito, mas muito caro mesmo. 

Ela me disse que tinha uns restaurantes mais ou menos, onde se podia comer razoavelmente bem por nove, dez reais. Eu, gastar dez conto de comida por dia??? Jamé, como diz meu pai. Bom, minha colega me explicou onde ficavam os restaurantes menos badalados e eu, com minha santa maluquice, acabei indo parar em outro lugar. 

Meus colegas quase caíram para trás quando souberam onde eu tinha almoçado: segundo eles, todo mundo que comia lá passava mal. Apelidei o restaurante de "infecção" e não deixei de frequentá-lo. Afinal, menos de dois reais por 100 gramas tem seu glamour. 

Na segunda semana como frequentadora assídua, ganhei um cartão fidelidade que me daria direito a um almoço grátis a cada vinte carimbos. A cada dez seria um suco e a cada 15 uma sobremesa. Na semana seguinte, os funcionários já sabiam o meu nome, inclusive a dona, uma simpática oriental. O lugar é simples, a comida é básica, mas os banheiros são impecáveis e eu, como cliente fidelíssima, me sinto cercada de mimos que não receberia em outro lugar pagando o que pago: junto com o cafezinho que é de graça, fica um potinho com bolo de sabores que variam conforme o dia da semana. Às sextas-feiras, para compensar a falta do carimbo no cartão fidelidade, ganhamos gelatina. 

Passei a observar os frequentadores e fiz até um mapeamento interessante: na primeira quinzena do mês divido a mesa com mecânicos de uma concessionária Renault que tem ao lado, assim como com copeiras, recepcionistas e estagiários das empresas vizinhas. Na segunda quinzena, a clientela passa a ficar mais chique, com direito a paletós, gravatas e Ray-Bans. 

Um dia eu me aborreci muito no trabalho e acabei não segurando o choro lá. Imediatamente a dona me levou para uma salinha no terraço, me perguntou se tinha sido alguma coisa muito grave e me deixou lá com um copo d´água com açúcar. Tudo muito discretamente e ninguém mais tocou no assunto desde então. Voltei de férias na segunda passada e chamei uma outra colega para almoçarmos lá e ela disse que tinha medo. Eu disse que pagava a conta e ela acabou cedendo. Depois de ter se esbaldado no feijão com arroz e no pudim, meio sem jeito por ter que dar o braço a torcer, me disse: “É por isso que o seu VR sobra todo mês”.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Dúvida

Existe algo mais inacreditável do que a notícia da morte de Michael Jackson?
Tô mole.

Toque

Querido Papai do Céu, Antes de mais nada, obrigada pela minha vida, pela minha saúde física e mental (hum-rum), pela minha família, pelos meus amigos e pelo meu trabalho. Obrigada também por ter desenvolvido a incrível técnica de engolir sapos, o que me poupa de alguns contratempos principalmente com os meus credores e com a dona do imóvel onde moro.

Sabe, Papai do Céu, às vezes eu não entendo bem o que o Senhor quer me dizer através de linhas tão tortas e acho que por isso tenho labirintite psicológica e síndrome do pânico, parcialmente controlados – digo isso porque tive uma crisezinha ontem à noite. Na minha imaginação eu vejo o Senhor numa enorme sala de controle vendo tudo o que pensamos – veja bem: o que pensamos -e não o que fazemos. E é nessa fé que tento livrar de minha achatada cabecinha todos os pensamentos e do meu apaixonado coraçãozinho os sentimentos que possam diminuir os meus créditos por aí.

Mas deve ter alguma coisa errada com a nossa comunicação – alguma interferência, fio desencapado, troca de bolas ou algo parecido. Se eu fosse budista, ia dizer que se um copo está cheio de água suja, temos que jogá-la toda fora antes de colocar outra limpa. Ou então que tenho um carma negativo com a pessoa com quem preciso conviver e por isso tenho que acatar languidamente esse meu dever de pagar essa dívida de vidas passadas. 

Mas não sou. Acredito no Senhor e te sinto em minha vida. “Mas minha filha, lembre-se de ‘Pegadas na Areia’, você agora está meu colo” pode estar dizendo o Senhor. Se eu estou com dor nas costas, imagina o Senhor?

Uma enorme reverência de sua filha desesperada e preocupada com o Senhor,

Cynthia

quinta-feira, 28 de maio de 2009

As grifes variam

E não é que às vezes me pego sentindo inveja de pessoas que trabalham com coisas simples? Sim, inveja de balconistas de lanchonete. De frentistas. De atendentes de locadora. Essas pessoas são felizes e talvez nem saibam. Sair da caverna tem um preço. E não é em real que a gente paga. Muito menos ganhamos em dólar.

O mais engraçado foi saber que outras pessoas tinham a mesma sensação que eu. Tenho uma amiga bem-sucedida profissionalmente, com o salário bem mais robusto que o meu, cuja inveja vai mais além: ela queria mesmo era se mudar pra um interior bem brabo, produzir o próprio alimento e não ter nem luz elétrica em casa. Isso mesmo: plantar, colher, criar galinha, tirar leite, essas coisas. Ela chegou até a dar uma pirada básica dia desses e mandou currículo candidatando-se à vaga de recepcionista em um cursinho preparatório para concursos. “Ah, Cyn, cansei”. E eu, fofa?

O que será que nos leva a ter esses ataques de querer regredir na vida? Será que responsabilidade necessariamente tem que vir acompanhada de estresse? Qual o segredo para evitar esses rompantes? Por que não mandei meu resumé para o anúncio dO MELHOR EMPREGO DO MUNDO?

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Constanziando

Sofro por antecipação e depois que tudo passa vejo que sou uma tonta. Essa semana passei por poucas e boas devido a uma suposta travessura que tinha cometido. Explicando: postei aqui a reprodução fiel de um diálogo surreal que tive com uma pessoa mais surreal ainda e essa pessoa, com a qual não tenho mais contato, ligou pro meu trabalho do nada, deixando dois perturbadores recados para que eu ligasse o quanto antes. 

Pronto, minha imaginação voou longe. Como essa pessoa é, digamos, barraqueira, apesar do berço esplêndido em que nasceu, já estava ensaiando como seriam as minhas respostas aos seus desaforos quando visse que eu tinha falado dela, mesmo sem ter citado seu nome. Tive taquicardia enquanto xerocava uns documentos pro meu chefe. Um calafrio quando um colega chegou na copa sem se fazer notar. Um princípio de chilique toda vez que o telefone tocava. Para mim todos já sabiam que eu ia ser processada.

Como o meu descontrole já beirava uma completa crise de nervos, procurei ajuda profissional: de um amigo com conhecimentos jurídicos, que sugeriu que eu falasse com mais outra amiga advogada e de Marquinho. Ambos foram unânimes nos conselhos: eu ia ouvir desaforo, perder um contato em potencial forever e pronto, já que a famosa conversa não tinha tido testemunhas, tinha sido pessoalmente e só as partes envolvidas sabiam dela. 

O meu amigo foi até mais longe dizendo que a hora do advogado dela devia ser tão cara que ia ficar tudo na base do bate-boca mesmo. Me senti a redatora-chefe de alguma Contigo! da vida e um leve sorriso brotou dos meus lábios. Mas o pavor continuava, ia e voltava. Por via das dúvidas, apaguei o post, fiz cara de parede e o meu coração de escritora frustrada não parava de se comover toda vez que lembrava de ato tão extremo.

Hoje a minha tortura acabou. A fulaninha ligou e tudo o que queria era apenas o número do telefone de uma famosa promoter, já que o que ela tinha estava desatualizado. Confesso que a probabilidade de ser apenas isso era quase nula e dei não só um suspiro aliviado quando desliguei como também demorei um bom tempo tentando me recompor. Um dia eu publico de novo o famoso diálogo e, como gosto de viver perigosamente, darei nomes aos bois. Daqui a uns dez, doze anos, talvez.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Um choppes, dois pastel

Eu não conheço São Paulo. Migrei para cá há quase dois anos, mas levo vida de emigrante pé rapado que tem que lavar muito prato pra sobreviver. Ainda não cheguei a esse ponto. Lavo só os meus por enquanto.

A primeira coisa que perdi aqui foi o meu senso de direção. Sempre fui famosa por ter uma excelente memória para ruas e itinerários, mas aqui eu me sinto como um ratinho num labirinto. Sempre me perco se arrisco fazer um trajeto que fuja ao que já me habituei. Sei que devem ter inúmeras formas de se chegar a alguns lugares, mas eu prefiro não experimentar. Porque aqui tudo é estranho demais, grande demais, cinza demais, tumultuado demais.

A divisão da cidade em zonas me deixa mais atordoada ainda. Não entram na minha cabeça algumas interligações e vivo fazendo bússolas imaginárias, tentando decifrar onde fica tal bairro. Minha vida sem o metrô também seria um caos, apesar de não precisar usá-lo diariamente. Meu ponto de referência é a Paulista. Se chego lá, estou em casa.

Aprendi que a relação sol/calor/chuva/frio é totalmente diferente da que fazemos em Salvador. Um dia ensolarado aqui, muitas vezes, pede um bom sobretudo e um cachecol de lã, senão você congela a caminho do trabalho.

O trânsito é o inferno na Terra e a cidade vive em função dele: se tem um acidente grave, até eu, que não tenho nada a ver com o pato, pago a conta, pois com certeza o meu trabalho será afetado por isso.

Comecei a ver o estresse paulistano de outra forma: acredito mais que seja fruto da pressão em fazer parte de um sistema que movimenta fortunas por dia sem ter um tostão na carteira do que estresse por estresse.

Todos estão sempre querendo mais: mais tempo, mais dinheiro, mais amor, mais conhecimento e até mais trabalho, pois assim reinicia-se todo o ciclo com novos anseios e metas pessoais. Aqui, se a grama do vizinho é mais verde, o povo se acaba pra adubar a dele. Aparência é um ingrediente crucial para sobrevivência.

E o que tem de bom em morar num lugar assim? Ah, comer sanduíche de carne seca no Mercadão, depois de uma hora de espera e ainda se sentir a mais sortuda das pessoas por achar um cantinho no balcão pra ficar em pé é inenarrável. Repetindo: não tem preço.

P.S. A foto foi tirada by myself, do alto do Prédio do Banespa.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Beijinho, beijinho


Hoje é o dia do beijo. Soube através de uma pessoa especial, que beija muito bem e que atualmente mora no meu coração. Essa mesma pessoa não vai poder comemorar o dia de hoje comigo, mas mora no meu coração. Essa pessoa é especial porque, apesar de trabalhar muito e em horários loucos, fez questão de me dizer que hoje era o dia do beijo. E que lembrou de mim pelo dia de hoje. Essa pessoa até sugeriu que trocássemos o Dia do Beijo para todos os dias. Aceitei na hora, claro.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Trancos e Barrancos

Não seria exagero se eu dissesse que já nasci com síndrome do pânico. Desde que me entendo por gente, tenho uma relação estreita com esse raio de doença que não é doença – é coisa da nossa cabeça, no popular. Acho que fui uma das poucas da família a nascer de parto normal por ter tido alguma crise de claustrofobia ainda dentro da barriga de minha mãe.

Dizem que passei a ter os primeiros sintomas estranhos quando tinha uns cinco anos. A minha então pediatra diagnosticou pressão acima do normal para a idade, muito provavelmente gerada pelo abalo emocional causado pelo presente que acabava de ganhar: minha irmã. Argumento bastante plausível, já que reinava soberana e absoluta como primogênita e queridinha das titias, titios, vovó e vovô. Plausível, porém refutável, já que minha vida era importunando meus pais para ganhar um irmãozinho ou irmãzinha, como qualquer criança em sã consciência faz. Até o nome dela quem escolheu fui eu.

A coisa começou a ficar feia mesmo quando eu estava entre os oito e nove anos: os sintomas passaram a ser mais barra pesada e minha vida virou um verdadeiro caos. Tinha medo de ficar só, não suportava lugares cheios, ficava tonta só de ver uma roda gigante pela televisão. Tinha crises em filas de supermercado, dentro de ônibus, em festas, na sala de aula, na missa. Ninguém sabia lidar com aquilo, já que a bateria infindável de exames que eu fazia não dava nada de anormal. Cheguei a rezar para que desse alguma coisa, grave que fosse, pois assim eu daria nome aos bois.

Passei boa parte da vida fazendo tratamentos com remédios e terapias. Minha obsessão era descobrir o porquê daquilo tudo e alguma forma de me livrar daquele inferno. Minha família e meus amigos me ajudaram bastante, cada um ao seu modo, mas as respostas só começaram a chegar depois que me juntei ao inimigo, consegui encará-lo de frente lendo tudo sobre o assunto e, principalmente, falando a respeito – até então isso era tabu. Lembro da vez em que tive um dos “chiliques” na plateia de um show folclórico em Salvador, ao acompanhar um amigo italiano. Depois que consegui me acalmar, ele simplesmente me disse: “Cynthia, mulheres chiques passam mal”.

Hoje eu tenho crises mais espaçadas, com duração menor e perfeitamente controláveis. Descobri a possível causa de como tudo começou e isso foi um salto significativo em minha vida: moro só, na maior cidade do Brasil, longe da minha família e dos meus amigos. A resposta, como sempre, estava dentro de mim, bem escondidinha, o tempo todo. Sacana ela, né?

segunda-feira, 9 de março de 2009

Brasileirinhas

Tenho uma amiga linda, independente, livre e desimpedida. Mora só e há mais ou menos dois meses vinha me importunando com uma questão: como locar um filme pornô sem morrer de vergonha. A curiosidade em assistir esse tipo de filme sozinha e no aconchego do seu lar, segundo ela, estava virando um tormento em sua vida. “Será que virei pervertida depois de velha?”, a pobre me perguntou. Claro que não, amiga. Curiosidade nem sempre mata o gato.

Primeiro, perguntei o porquê de tanto receio em locar o bendito filme. A resposta foi na lata: “Ah, Cyn, com que cara eu vou olhar o moço da locadora depois disso?”. Sugeri que comprasse um DVD pirata no camelô. Depois, se ela quisesse, era só jogar fora. Disse que ia fazer isso no sábado seguinte. Na segunda, toda envergonhada, me confessou quase chorando: “Cyn, não deu. Isso é pior do que comprar cocaína. Cheguei junto de um camelô com cara de poucos amigos e, como não sabia o que falar, perguntei o preço. Ele, todo solícito, disse que tinha todos os lançamentos e ainda sugeriu que eu levasse Madasgacar 2 – e eu voltei pra casa com três DVDs infantis.”

Com pena de minha amiga e vendo que sou uma péssima estrategista em assuntos pornográficos, sugeri que fosse até uma banca de jornal bem afastada de sua casa, em um lugar que ela soubesse que jamais voltaria e que comprasse o DVD lá. Amou a ideia e se perguntou por que ainda não tinha passado isso pela sua cabeça. Mais uma vez, deu tudo errado na hora H, apesar dela ter ido realmente numa banca muito, mas muito longe de sua casa – eu mal pude acreditar quando soube onde era. 

Primeiro, porque os filmes e revistas “adultos” ficam em prateleiras quase inacessíveis, bem no alto, precisando da ajuda da escadinha do jornaleiro. Ela até conseguiu fazer uns malabarismos, derrubando metade da prateleira em sua cabeça e chamando mais atenção do que se tivesse pedido a devida ajuda. Só que a banca não aceitava cartão de débito e ela estava sem dinheiro vivo. Eu disse que era melhor ela desistir da ideia ou pedir pra algum amigo fazer isso por ela. “Você faria isso por mim, Cyn, se ainda morasse aqui?”, me perguntou toda desanimada. Claro, claro. Já passei por coisas bem piores na vida.

Hoje, recebi um e-mail dessa amiga: disse que estava feliz e ao mesmo tempo frustrada. Foi na locadora de costume, só que num horário que não costuma ir, pegou o primeiro filme que viu na ala proibida -“Quatro Horas de Vídeos Caseiros”- e foi correndo pra casa se divertir. A ideia era jogá-lo na caixinha de devolução, depois de satisfeitas todas as suas fantasias. Quando estava quase ficando feliz por ela, um P.S. revelador: “Cyn, não faço mais isso. Não tem graça nenhuma. Preciso de um namorado com urgência.”

quinta-feira, 5 de março de 2009

Meninos...

-Eita que Gisei Binti perde feio pra você, hein, danada?

Um carroceiro sentado na calçada fazendo carinho no seu vira-lata.
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-Eu acho que isso não tá certo não.

Um pedreiro falando pro outro ao ver passar uma mulher com blusa vermelha, bolsa roxa e sapatilhas laranja, na Juscelino, ao meio-dia.
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- Meu, tem coisa pior que mulher folgada? Saí com uma mina ontem e ela nem se mexeu na hora de pagar o ingresso do cinema!

Um “mano” conversando com outro no ponto de ônibus.
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-Noooossa, que mulher gostooooooooosa!!!

Coro de quatro gatíssimos engravatados ao ver uma turbinada passar.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Isso me Freud

Acho que se estivesse fazendo psicanálise, estaria jogando dinheiro fora. Meus sonhos hoje em dia são tão óbvios, que não ultrapassam o limite do que eu disse, fiz ou me fizeram durante o dia. Pronto, esses são os ingredientes do meu inconsciente. Onde está o meu porão, meu Deus??? Quero ele de volta já!!!

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Pré-Carnaval

- E aí, mainha? Como tá de carnaval aí?

- Uma depressão danada... Juliana veio trazer os abadás dela pra eu ajustar e lembrei de você e de Cecília... ô, saudade... aquele tempo não volta mais não, né? Eu me preocupava, mas me divertia...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

What?

Nunca me imaginei falando inglês. Era péssima na matéria e odiava todas as aulas. Levei bomba o ginásio inteiro. Na época da faculdade, alguns espíritos de porco me perguntavam quando eu ia tomar vergonha na cara e entrar num curso, pois era quase inconcebível uma estudante de comunicação social se formar e não ter pelo menos certo traquejo em outro idioma – na época estava começando a ficar no auge falar espanhol também.

Tempo vai, tempo vem, de repente uma proposta irrecusável de emprego. “Você fala inglês?”, me perguntou o diretor a quem eu deveria me reportar. Muito envergonhada, disse que não, mas que estava nos meus planos entrar num curso ainda naquele ano. Ele disse que isso era essencial, já que eu ia trabalhar no Centro Históricos de Salvador.

Era um vexame: eu era a chefe e todas as minhas subordinadas falavam outro idioma, um portunholzinho que fosse e eu, à margem, me achando um bagaço de gente. Os cursos de inglês que prestavam eram caríssimos, nenhum cabia no meu orçamento de recém-formada.

Minha vida era fazendo cotação e contas. Além disso, achava que jamais ia entrar na minha cabeça aquele emaranhado de sons – imaginava o caminho que meus neurônios iam ter que fazer quando eu tivesse que falar a palavra berinjela em inglês, assim, de supetão, caso precisasse. Só de pensar já ficava desanimada.

O mundo dá voltas, eu dou junto com ele. Num belo dia, conheci um italiano que não falava uma palavra em português e que morava em San Diego. Começamos a sair e já não me faltavam motivos pra dar o pontapé inicial e arregaçar as mangas. Comecei a estudar italiano feito uma louca. Comprei dicionários, gramáticas, guias de conversação, tomei aulas particulares com nativo e foi com grande susto e uma pitada de orgulho que me vi, na hora do aperto com um turista, falando e entendendo tudo o que ele me dizia. Pronto, passei a ser requisitada nos postos onde tinha mais turista italiano, pois estava pegando jeito com a coisa.

Cheguei à conclusão de que a partir daquele momento inglês pra mim ia ser fichinha. Venci a barreira do isso-não-é-para-mim, já que a gramática italiana é infinitamente mais rebuscada que a inglesa, e acabei me matriculando no bendito curso. E não é que me adaptei ao método e minha vida era ligando e desligando minha tecla SAP? Do dia pra noite passei a ser uma pessoa que se gabava ser trilíngue. Pena que não fiquei rica com isso. Pelo menos ainda.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Shanti

Nos conhecemos quando éramos casados, numa situação, no mínimo, insólita. Nessa mesma ocasião, descobri que era irmão de um colega de minha irmã. Percebi que me olhava de maneira intensa, mas achei que era por força das circunstâncias, já que era delegado.

Quase quatro anos depois, outra situação insólita fez com que nos reencontrássemos, mas agora estávamos ambos devidamente separados. Conversamos por horas a fio tentando encontrar algum motivo para que aquele encontro não fosse o último.

Descobri que ainda sabia fazer o joguinho da conquista e isso me fez bem naquele dia. Pediu para que eu anotasse o meu telefone num pedaço de papel e colocou com um cuidado sedutor no bolso da camisa. Não dormi naquela noite, obviamente.

Demorou para ligar a primeira vez. Parecia que o universo conspirava para que eu não o esquecesse, já que incríveis coincidências faziam com que eu conhecesse sempre alguém que tivesse alguma ligação com ele. Quando me ligou, parecíamos dois adolescentes sem saber o que falar. O joguinho continuava, era o que nos atraía. Chamava-o pelas duas primeiras sílabas do seu sobrenome, que era libanês. Ele gostava da ideia e me chamava do que desse na telha. De lôra a dodói, passando por maluquinha e senhora.

Demos muitas risadas juntos. Fizemos muitas loucuras também. Tinha um Fusca vermelho e quando a saudade batia, passava lá em casa no intervalo do plantão da delegacia. Eu dizia que ele me dava sorte e ele passava no meu trabalho só pra me dar um oi. Era curioso e eu adorava mandar torpedos enigmáticos, só porque sabia que me ligaria em seguida. Conheci um amigo de infância dele que se tornou também um grande amigo meu. Esse amigo dizia que tínhamos tudo a ver um com o outro e que torcia para que déssemos certo.

Não demos certo. Nossos encontros, desencontros e reencontros duraram exatos seis meses. Inesquecíveis meses, sem sombra de dúvida.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Matinée

Estou na fase de caça a eventos culturais gratuitos em São Paulo. Mostras de cinema, exposições, peças, tudo que for free ou, no máximo, dez conto, tô dentro. Primeiro, por estar sempre dura. Segundo, para conhecer pessoas, fazer novas amizades ou até algo mais. Nunca se sabe.

Esse lampejo cult, com uma pitada de segundas intenções, me deu na semana passada e fucei muito na internet até achar algo que interessasse. Vi que no Memorial da América Latina tem sessão de cinema todo santo dia e que cada mês eles abordam um tema diferente – o de janeiro era a cidade de São Paulo e os filmes exibidos tinham sido todos rodados total o parcialmente aqui.

Liguei para saber sobre detalhes dessas sessões e fui informada de que aos sábados elas começavam ao meio-dia. O filme a ser exibido no sábado passado era o Ensaio sobre a Cegueira. Achei que estava com muita sorte, já que além de ter lido o livro, queria muito saber como Meirelles tinha se atado na adaptação. Também queria fazer um paralelo com A Peste, de Camus, livro que comecei a ler recentemente e que tem mais ou menos o mesmo tema central.

Já no Memorial, soube que a sessão de cinema não era bem o que eu imaginava que fosse: eles disponibilizam três televisões de 29 polegadas cada uma, onde apenas seis pessoas podem assistir ao que está sendo exibido. Pelo menos o fone é individual. Decidi ficar, apesar de decepcionada. A atendente me instruiu a sentar logo em uma das cadeiras para garantir o meu lugar. Um homem sentou ao meu lado e começou a puxar conversa, dizendo que era frequentador assíduo de lá e descobrimos algumas afinidades em relação a gostos cinematográficos.

O papo dele começou a ficar esquisito. Disse que era visionário e que a paixão dele por cinema tem a ver com uns sonhos que tem desde a infância. Disse também que está fazendo algumas palestras sobre essas “visões” e que se eu quisesse ir, era só adicioná-lo no Orkut. Assim ele me deixaria um scrap dizendo a data e a hora do evento. A única coisa que ele já sabia era o preço da entrada: vinte pilas.

Terminada a sessão (filme muito bom, por sinal), fomos dar uma volta no pátio, onde pedi a ele que tirasse umas fotos minhas. Ele também pediu para que eu tirasse fotos dele, só que com minha câmera. Disse que era para eu não esquecer de adicioná-lo no Orkut, pois a gente tinha que combinar outra ida ao cinema ou algo mais.

Vá esperando, Cássio.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Ox

Para os chineses, entramos no ano do boi. Será o ano do trabalho árduo, duro, de puxar a carroça mesmo. Para mim, o ano do boi foi 2008: trabalhei feito uma louca, esqueci hora de comer e de ir para casa. Esqueci de mim e dos meus cabelos. Passou.

Continuo trabalhando muito, mas vendo o trabalho de outra forma. Foi até engraçado rever a minha agenda de um ano atrás e constatar o quanto eu era inocente e inexperiente no verdadeiro mundo cão.

Agora eu assisto muita coisa de camarote. 

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

It´s raining men

Tenho um vizinho gay, que já virou amigo de infância e que me chama de Shirley. É um fofo mesmo quando bate na minha porta cedo, quase sempre aos sábados, comigo ainda de pijama e tonta de sono. Fica lá em casa falando das aventuras da noite anterior enquanto eu tomo café. Adora quando faço faxina, pois diz que ama cheiro de limpeza. Vive abrindo minha geladeira, se olhando de perfil e sem camisa no espelho do meu banheiro e me chamando pra sair. “Vamos, gata. Você não vai se arrepender. Um monte de bofe pra você escolher”. Eu nunca fui, já que tenho que seguir à risca meu plano de máxima contenção de despesas.

É o meu faz-tudo: se dá pau na minha antena, é só gritar que ele me socorre. Me prometeu de pés juntos que hoje ele coloca o meu mural de fotos na parede, já que não tenho a mínima habilidade com furadeiras, parafusos e afins. Me deu também um criado-mudo de madeira lindo, precisando apenas de uma pintura. Disse que vamos fazer isso no sábado. Nada abala a disposição dele.

Fez caras e bocas quando se bateu no corredor com um paquerinha meu. Disse que eu tinha que segurar aquele Deus de qualquer maneira. Não consegui. Também vive dizendo que minha pele e o meu cabelo estão ótimos, que eu sou maravilhosa, que eu sou um arraso. Mas também não se intimida em me chamar de cabeção quando falo alguma bobagem.

Ontem, cheguei exausta do trabalho, e lá estava ele me esperando, tomando iogurte light. Está numa dieta rigorosa para ficar sarado até o carnaval. Disse que ia me levar pro paraíso na Terra, ou seja, a academia onde malha todo santo dia. Não me deixou sequer trocar de roupa, pois disse que assim eu ia escapar dele. Lá fui eu, de calça social e scarpin, acompanhar a figuraça suar a camisa.

Realmente, eu me senti como se estivesse no paraíso: gente bonita, com cara de rica, todo mundo feliz, com corpos maravilhosos, transbordando saúde e disposição. E eu lendo uma Caras antiga, esparramada num pufe e imaginando como deveria ser a vida daquelas pessoas fora dali. O meu amigo não só levantava peso como também me mandava beijinhos pelo espelho. Depois começou a falar alto, fazendo sinal para que eu visse que ele estava falando com um ex-ficante, que parecia ter saído das telas de Hollywood.

Disse que vai conseguir uma aula grátis pra mim. E que não vou me arrepender. Será?

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Moqueca

Atendendo a pedidos, vamos lá:

Moqueca de Camarão

Ingredientes:
1 kg de camarão fresco, de preferência limpo
1 cebola grande
1 pimentão verde
1 tomate maduro
250 ml de leite de coco
250 ml de azeite de dendê
1 “mói” de coentro, outro de cebolinha
1 limão
Sal a gosto

Modo de Preparo:
Coloque o camarão numa panela que seja mais larga do que funda. Esprema o limão em cima do pobre. Em seguida, coloque o sal, a cebola cortada em rodelas, o tomate e o pimentão, todos cortados do mesmo jeito. Corte o coentro e a cebolinha em pedacinhos minúsculos e jogue em cima. Reze pra ter acertado no sal. Leve ao fogo médio. Quando começar a subir uma fumacinha, vá colocando o leite de coco uniformemente. Deixe lá, enquanto você bebe uma latinha de cerveja. A música de fundo pode ir do Axé ao Rock, passando por Bezerra da Silva sem problemas. Quando estiver mais ou menos fervendo, digo, soltando umas bolhas com cara e som de pântano de desenho animado, coloque o dendê. Deixe o dendê fazer a parte dele se misturando com o leite de coco. Quando o cheiro estiver divino, desligue e vá fazer a farofa de macumba. Coma até pensar no que fazer pra perder tanta caloria.
O básico é esse. Daí a imaginação pode correr solta e o camarão pode ser substituído até por carne, como fez a minha sábia irmã.

Modo de Preparo

Eu tenho medo de cozinha. Só sei fazer coisas grelhadas, macarrão, arroz e farofa. E purê de batatas também, sendo que nunca sei qual é a quantidade certa de leite e o bicho sempre acaba parecendo um mingau.

Num Natal desses, eu e minha irmã ficamos encarregadas em preparar a ceia. Eu tinha sob minha responsabilidade o peru, a farofa de miúdos e o arroz com passas. Só quando estávamos ao redor da mesa e prestes a atacar o depenado é que descobri que, ao contrário do que imaginei, os miúdos tinham sim vindo na embalagem. Estavam num saquinho dentro do que morreu de véspera. E eu virei a piada natalina eterna.

Acho que por ter mãe cozinheira de mão cheia e não ter muita paciência com as coisinhas, os detalhes que a arte de cozinhar exige, nunca dei bola pra cozinha. Só chegava quando o cheiro subia para experimentar se estava bom de sal. E só. Minha fama sempre foi a da pessoa mais suspeita do mundo para dar o parecer final sobre algum prato, já que acho tudo uma delícia. Até me disseram que o meu paladar é defeituoso. Talvez seja.

Minha irmã, ao contrário de mim, se arriscava em algumas coisas triviais, nem que fosse um bolo confeitado ou um brigadeiro de colher. Isso para mim era misterioso e arriscado: e se eu errasse a mão em tudo e tivesse que jogar no lixo? Olha o desperdício que não ia ser!

Duas semanas atrás, minha irmã fez moqueca de carne em São Paulo. Danada ela. Além de dendê não ser uma coisa que se encontre na primeira esquina, ela não tinha Mainha pra dizer se estava no caminho certo ou não. E mais: deu um toque pessoal alterando o ingrediente principal para carne, o que não é muito comum em Salvador. Não comi, mas pelas fotos, deveria estar uma delícia, como sempre.

Pois bem: final se semana passado aprendi e fiz numa tacada só moqueca de camarão no sábado e de Vermelho no domingo. Com farofa de macumba e cerveja para acompanhar. Morrendo de medo de estar dando um passo maior do que a perna. Deu certo. Estava uma delícia! E Edson Gomes na vitrola. Sem comentários.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

How old are you?

O que fazer numa tarde de sábado chuvosa, trancafiada com um amigo em sua casa de campo? Beber vinho para esquentar? Bebemos. Cozinhar? Comida era o que mais tinha. Assistir filmes? Assistimos três. Namorar? Não, somos amigos preto-e-branco, o código de ética não permite travessuras.

Meu amigo optou por tomar mais vinho. E mais e mais e mais. Eu parei quando senti que minha boca estava meio dormente e que estava difícil fazer o trajeto da sala até a cozinha sem me esbarrar em alguma coisa. Comecei também a ficar meio sentimental, penúltimo indício de que o álcool já chegou no juízo.

Do alto da sabedoria dos 40 anos, meu amigo sugeriu que brincássemos de YouTube. Explicando: teríamos que achar clipes de músicas que fossem a cara do outro. Como cachaça não é água, eu chorei logo no primeiro vídeo que ele colocou pra mim, “Latinha”, da Timbalada.'

Lembro até que perguntei, meio filosoficamente, que raio eu estava fazendo em São Paulo. Ele deitou e rolou, dizendo que com aquele vídeo acabara de marcar uns três pontos a seu favor. E eu chorando. Nada abalava o espírito nada esportivo do meu amigo. Pulava, urrava, gritava a cada tacada de mestre que dava, mandando ver em toda sorte de clipes de Nando Reis, Queen – sob meus protestos de que aquilo já era covardia – Edson Cordeiro e todos os cantores de Axé possíveis e imagináveis. E ele ria, dançava e pulava. E eu não conseguia achar um vídeo que fizesse com que minha pontuação chegasse perto da dele.

Como a brincadeira parecia não ter mais fim, começamos a criar regras meio loucas, o que fez com que não soubéssemos mais quem estava ganhando ou perdendo. Fomos dormir muito tarde, exaustos, como duas crianças depois de um longo dia de férias. Os vizinhos devem ter achado que éramos uns dez, numa festa de arromba que quase varou a madrugada.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Vollare

Feriadão em São Paulo. Um amigo de longa data, que não me via há meses, fez uma proposta, no mínimo, indecente: “Que tal vir pra Teresópolis? Eu pago a sua passagem. Venha conhecer minha casa nova. Tudo free. E a Varig está em promoção”. Beleza. Não vou ficar em casa olhando pro teto e ainda vou conhecer uma cidade serrana no Rio.

Passagens compradas a preço realmente baixo – R$98,00 ida e volta, com taxas, porém via Guarulhos – imaginei que aproveitaria melhor a viagem se não precisasse despachar mala. Tive a brilhante ideia de comprar uma mochila e soquei tudo o que usaria em quatro dias de feriado na pobre coitada.

Na véspera da viagem, o motoboy do escritório onde trabalho me fez outra proposta indecente: “Meu, me dá cinquentinha que eu te levo e te busco no aeroporto de moto, rapidinho, serviço vip, pode crer”. Tentador, aceitei na hora.

Como alegria de pobre dura pouco, se é que ela existe, obviamente que passei maus bocados tanto na ida quanto na volta: na ida, além do troca-troca de filas no check-in, ainda tive que me desfazer de tudo o que fosse gel, creme ou líquido da minha bagagem, já que o vôo era internacional e eu estava apenas com minha inseparável mochila – nesse bolo foram um hidratante, um protetor solar zero bala da L´Oreal, desodorante, soro para lente de contato, xampu e toda tranqueira que mulher carrega na bolsa.

Também passei pelo vexame de ser chamada por uma agente da Polícia Federal perguntando se o objeto que estava na esteira me pertencia. O “objeto” era uma calcinha preta de renda. A fulana caiu quando eu estava na agonia de achar o último frasco de soro perdido na bendita mochila, que o raio-X teimava em acusar e não permitir que eu ultrapassasse a fronteira entre o inferno e o feriadão. Engraçado que o mesmo raio-X não detectou o aparelho de barbear e uma pinça de sobrancelha que, na minha opinião, são mais perigosos para um vôo do que inocentes cremezinhos pós 30.

A essa altura, o vôo já estava duas horas atrasado. Fiz amizade com todos da fila, trocamos confidências, telefones, tiramos fotos, tivemos até um princípio de crise na relação. Fomos instruídos a entrar no avião e, para nossa surpresa, mesmo com as turbinas ligadas e já na beira da pista, o bicho teve que voltar por causa de um defeito no sistema de refrigeração. Passamos exatas duas horas trancados dentro dele, num calor insuportável, porém num clima de festa de fim de ano de empresa, na maior confraternização.

A comoção foi geral quando o comandante disse que já íamos levantar vôo e que a viagem duraria 35 minutos. Quase choramos de tristeza.

E a volta? A volta teve as mesmíssimas coisas: atrasos, chateação, troca de confidências e de telefones. Quase não desço em Guarulhos. O vôo ia seguir para Paris.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Saturday

Sábado, dia de acordar tarde, não ter horário pra nada, ficar de papo pro ar, correto? Não, não é. Graças a minha mãe, acordei pontualmente às nove, com o celular tocando e eu sem saber se era sonho ou realidade. – “Ô, minha filha, te acordei?” – perguntou a pobre, diante de minha voz de bêbada. – “Que nada, foi até bom a senhora ter ligado agora senão eu só ia acordar lá pelo meio da tarde”, disse falsamente, só pra não deixá-la constrangida. O curioso é que em Salvador não tem horário de verão e ela já tinha ido ao supermercado. Coisas de Mainha...

Com o sono já estragado, resolvi colocar no papel todas as minhas pendências e tentar resolvê-las naquele dia, que acabava de começar tão precocemente, contrariando todos os meus planos de dolce far niente. Tirar dinheiro no caixa rápido. Comprar água mineral. Ligar para Déa. Colocar scarpin de salto baixo no sapateiro. Comprar controle remoto. Comprar mural magnético na 25. Fazer compras da semana. Fazer faxina pesada.

No decorrer do dia, dava gosto de ver minha lista cheia de “OKs” ao lado da pendência. Dei cabo de tudo e ainda fui dormir lá pela uma da madrugada, depois de uma sessão pipoca esparramada na cama. O filme? O remake de King Kong. É óbvio que sonhei que tinha um igualzinho na minha selva de pedra. E que eu era Ann.

Cardiologia Moderna

(00h05) -Cynthia? (sussurrando) 

(00h13) -Hum? (relutando para não sair de algum sonho maravilhoso) 

(00h13) -Estou com pressão alta! Meu coração está acelerado! Me ajuda! (voz trêmula, quase gritando) 

(00h15) -Beba água. Assim você faz xixi.

Virei pro lado e dormi.

Virgem passando por Áries

Cri-cri. É assim que estou. Cri-cri com limpeza. Cri-cri com arrumação. Cri-cri com minha agenda pessoal que deve ser seguida à risca. Cri-cri com alimentação, que deve ser variada e balanceada. Cri-cri com dinheiro. Cri-cri com coisinhas e coisonas. Ainda bem que isso não ultrapassa o portão da minha casa. Pelo menos ainda.