sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Ox

Para os chineses, entramos no ano do boi. Será o ano do trabalho árduo, duro, de puxar a carroça mesmo. Para mim, o ano do boi foi 2008: trabalhei feito uma louca, esqueci hora de comer e de ir para casa. Esqueci de mim e dos meus cabelos. Passou.

Continuo trabalhando muito, mas vendo o trabalho de outra forma. Foi até engraçado rever a minha agenda de um ano atrás e constatar o quanto eu era inocente e inexperiente no verdadeiro mundo cão.

Agora eu assisto muita coisa de camarote. 

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

It´s raining men

Tenho um vizinho gay, que já virou amigo de infância e que me chama de Shirley. É um fofo mesmo quando bate na minha porta cedo, quase sempre aos sábados, comigo ainda de pijama e tonta de sono. Fica lá em casa falando das aventuras da noite anterior enquanto eu tomo café. Adora quando faço faxina, pois diz que ama cheiro de limpeza. Vive abrindo minha geladeira, se olhando de perfil e sem camisa no espelho do meu banheiro e me chamando pra sair. “Vamos, gata. Você não vai se arrepender. Um monte de bofe pra você escolher”. Eu nunca fui, já que tenho que seguir à risca meu plano de máxima contenção de despesas.

É o meu faz-tudo: se dá pau na minha antena, é só gritar que ele me socorre. Me prometeu de pés juntos que hoje ele coloca o meu mural de fotos na parede, já que não tenho a mínima habilidade com furadeiras, parafusos e afins. Me deu também um criado-mudo de madeira lindo, precisando apenas de uma pintura. Disse que vamos fazer isso no sábado. Nada abala a disposição dele.

Fez caras e bocas quando se bateu no corredor com um paquerinha meu. Disse que eu tinha que segurar aquele Deus de qualquer maneira. Não consegui. Também vive dizendo que minha pele e o meu cabelo estão ótimos, que eu sou maravilhosa, que eu sou um arraso. Mas também não se intimida em me chamar de cabeção quando falo alguma bobagem.

Ontem, cheguei exausta do trabalho, e lá estava ele me esperando, tomando iogurte light. Está numa dieta rigorosa para ficar sarado até o carnaval. Disse que ia me levar pro paraíso na Terra, ou seja, a academia onde malha todo santo dia. Não me deixou sequer trocar de roupa, pois disse que assim eu ia escapar dele. Lá fui eu, de calça social e scarpin, acompanhar a figuraça suar a camisa.

Realmente, eu me senti como se estivesse no paraíso: gente bonita, com cara de rica, todo mundo feliz, com corpos maravilhosos, transbordando saúde e disposição. E eu lendo uma Caras antiga, esparramada num pufe e imaginando como deveria ser a vida daquelas pessoas fora dali. O meu amigo não só levantava peso como também me mandava beijinhos pelo espelho. Depois começou a falar alto, fazendo sinal para que eu visse que ele estava falando com um ex-ficante, que parecia ter saído das telas de Hollywood.

Disse que vai conseguir uma aula grátis pra mim. E que não vou me arrepender. Será?

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Moqueca

Atendendo a pedidos, vamos lá:

Moqueca de Camarão

Ingredientes:
1 kg de camarão fresco, de preferência limpo
1 cebola grande
1 pimentão verde
1 tomate maduro
250 ml de leite de coco
250 ml de azeite de dendê
1 “mói” de coentro, outro de cebolinha
1 limão
Sal a gosto

Modo de Preparo:
Coloque o camarão numa panela que seja mais larga do que funda. Esprema o limão em cima do pobre. Em seguida, coloque o sal, a cebola cortada em rodelas, o tomate e o pimentão, todos cortados do mesmo jeito. Corte o coentro e a cebolinha em pedacinhos minúsculos e jogue em cima. Reze pra ter acertado no sal. Leve ao fogo médio. Quando começar a subir uma fumacinha, vá colocando o leite de coco uniformemente. Deixe lá, enquanto você bebe uma latinha de cerveja. A música de fundo pode ir do Axé ao Rock, passando por Bezerra da Silva sem problemas. Quando estiver mais ou menos fervendo, digo, soltando umas bolhas com cara e som de pântano de desenho animado, coloque o dendê. Deixe o dendê fazer a parte dele se misturando com o leite de coco. Quando o cheiro estiver divino, desligue e vá fazer a farofa de macumba. Coma até pensar no que fazer pra perder tanta caloria.
O básico é esse. Daí a imaginação pode correr solta e o camarão pode ser substituído até por carne, como fez a minha sábia irmã.

Modo de Preparo

Eu tenho medo de cozinha. Só sei fazer coisas grelhadas, macarrão, arroz e farofa. E purê de batatas também, sendo que nunca sei qual é a quantidade certa de leite e o bicho sempre acaba parecendo um mingau.

Num Natal desses, eu e minha irmã ficamos encarregadas em preparar a ceia. Eu tinha sob minha responsabilidade o peru, a farofa de miúdos e o arroz com passas. Só quando estávamos ao redor da mesa e prestes a atacar o depenado é que descobri que, ao contrário do que imaginei, os miúdos tinham sim vindo na embalagem. Estavam num saquinho dentro do que morreu de véspera. E eu virei a piada natalina eterna.

Acho que por ter mãe cozinheira de mão cheia e não ter muita paciência com as coisinhas, os detalhes que a arte de cozinhar exige, nunca dei bola pra cozinha. Só chegava quando o cheiro subia para experimentar se estava bom de sal. E só. Minha fama sempre foi a da pessoa mais suspeita do mundo para dar o parecer final sobre algum prato, já que acho tudo uma delícia. Até me disseram que o meu paladar é defeituoso. Talvez seja.

Minha irmã, ao contrário de mim, se arriscava em algumas coisas triviais, nem que fosse um bolo confeitado ou um brigadeiro de colher. Isso para mim era misterioso e arriscado: e se eu errasse a mão em tudo e tivesse que jogar no lixo? Olha o desperdício que não ia ser!

Duas semanas atrás, minha irmã fez moqueca de carne em São Paulo. Danada ela. Além de dendê não ser uma coisa que se encontre na primeira esquina, ela não tinha Mainha pra dizer se estava no caminho certo ou não. E mais: deu um toque pessoal alterando o ingrediente principal para carne, o que não é muito comum em Salvador. Não comi, mas pelas fotos, deveria estar uma delícia, como sempre.

Pois bem: final se semana passado aprendi e fiz numa tacada só moqueca de camarão no sábado e de Vermelho no domingo. Com farofa de macumba e cerveja para acompanhar. Morrendo de medo de estar dando um passo maior do que a perna. Deu certo. Estava uma delícia! E Edson Gomes na vitrola. Sem comentários.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

How old are you?

O que fazer numa tarde de sábado chuvosa, trancafiada com um amigo em sua casa de campo? Beber vinho para esquentar? Bebemos. Cozinhar? Comida era o que mais tinha. Assistir filmes? Assistimos três. Namorar? Não, somos amigos preto-e-branco, o código de ética não permite travessuras.

Meu amigo optou por tomar mais vinho. E mais e mais e mais. Eu parei quando senti que minha boca estava meio dormente e que estava difícil fazer o trajeto da sala até a cozinha sem me esbarrar em alguma coisa. Comecei também a ficar meio sentimental, penúltimo indício de que o álcool já chegou no juízo.

Do alto da sabedoria dos 40 anos, meu amigo sugeriu que brincássemos de YouTube. Explicando: teríamos que achar clipes de músicas que fossem a cara do outro. Como cachaça não é água, eu chorei logo no primeiro vídeo que ele colocou pra mim, “Latinha”, da Timbalada.'

Lembro até que perguntei, meio filosoficamente, que raio eu estava fazendo em São Paulo. Ele deitou e rolou, dizendo que com aquele vídeo acabara de marcar uns três pontos a seu favor. E eu chorando. Nada abalava o espírito nada esportivo do meu amigo. Pulava, urrava, gritava a cada tacada de mestre que dava, mandando ver em toda sorte de clipes de Nando Reis, Queen – sob meus protestos de que aquilo já era covardia – Edson Cordeiro e todos os cantores de Axé possíveis e imagináveis. E ele ria, dançava e pulava. E eu não conseguia achar um vídeo que fizesse com que minha pontuação chegasse perto da dele.

Como a brincadeira parecia não ter mais fim, começamos a criar regras meio loucas, o que fez com que não soubéssemos mais quem estava ganhando ou perdendo. Fomos dormir muito tarde, exaustos, como duas crianças depois de um longo dia de férias. Os vizinhos devem ter achado que éramos uns dez, numa festa de arromba que quase varou a madrugada.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Vollare

Feriadão em São Paulo. Um amigo de longa data, que não me via há meses, fez uma proposta, no mínimo, indecente: “Que tal vir pra Teresópolis? Eu pago a sua passagem. Venha conhecer minha casa nova. Tudo free. E a Varig está em promoção”. Beleza. Não vou ficar em casa olhando pro teto e ainda vou conhecer uma cidade serrana no Rio.

Passagens compradas a preço realmente baixo – R$98,00 ida e volta, com taxas, porém via Guarulhos – imaginei que aproveitaria melhor a viagem se não precisasse despachar mala. Tive a brilhante ideia de comprar uma mochila e soquei tudo o que usaria em quatro dias de feriado na pobre coitada.

Na véspera da viagem, o motoboy do escritório onde trabalho me fez outra proposta indecente: “Meu, me dá cinquentinha que eu te levo e te busco no aeroporto de moto, rapidinho, serviço vip, pode crer”. Tentador, aceitei na hora.

Como alegria de pobre dura pouco, se é que ela existe, obviamente que passei maus bocados tanto na ida quanto na volta: na ida, além do troca-troca de filas no check-in, ainda tive que me desfazer de tudo o que fosse gel, creme ou líquido da minha bagagem, já que o vôo era internacional e eu estava apenas com minha inseparável mochila – nesse bolo foram um hidratante, um protetor solar zero bala da L´Oreal, desodorante, soro para lente de contato, xampu e toda tranqueira que mulher carrega na bolsa.

Também passei pelo vexame de ser chamada por uma agente da Polícia Federal perguntando se o objeto que estava na esteira me pertencia. O “objeto” era uma calcinha preta de renda. A fulana caiu quando eu estava na agonia de achar o último frasco de soro perdido na bendita mochila, que o raio-X teimava em acusar e não permitir que eu ultrapassasse a fronteira entre o inferno e o feriadão. Engraçado que o mesmo raio-X não detectou o aparelho de barbear e uma pinça de sobrancelha que, na minha opinião, são mais perigosos para um vôo do que inocentes cremezinhos pós 30.

A essa altura, o vôo já estava duas horas atrasado. Fiz amizade com todos da fila, trocamos confidências, telefones, tiramos fotos, tivemos até um princípio de crise na relação. Fomos instruídos a entrar no avião e, para nossa surpresa, mesmo com as turbinas ligadas e já na beira da pista, o bicho teve que voltar por causa de um defeito no sistema de refrigeração. Passamos exatas duas horas trancados dentro dele, num calor insuportável, porém num clima de festa de fim de ano de empresa, na maior confraternização.

A comoção foi geral quando o comandante disse que já íamos levantar vôo e que a viagem duraria 35 minutos. Quase choramos de tristeza.

E a volta? A volta teve as mesmíssimas coisas: atrasos, chateação, troca de confidências e de telefones. Quase não desço em Guarulhos. O vôo ia seguir para Paris.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Saturday

Sábado, dia de acordar tarde, não ter horário pra nada, ficar de papo pro ar, correto? Não, não é. Graças a minha mãe, acordei pontualmente às nove, com o celular tocando e eu sem saber se era sonho ou realidade. – “Ô, minha filha, te acordei?” – perguntou a pobre, diante de minha voz de bêbada. – “Que nada, foi até bom a senhora ter ligado agora senão eu só ia acordar lá pelo meio da tarde”, disse falsamente, só pra não deixá-la constrangida. O curioso é que em Salvador não tem horário de verão e ela já tinha ido ao supermercado. Coisas de Mainha...

Com o sono já estragado, resolvi colocar no papel todas as minhas pendências e tentar resolvê-las naquele dia, que acabava de começar tão precocemente, contrariando todos os meus planos de dolce far niente. Tirar dinheiro no caixa rápido. Comprar água mineral. Ligar para Déa. Colocar scarpin de salto baixo no sapateiro. Comprar controle remoto. Comprar mural magnético na 25. Fazer compras da semana. Fazer faxina pesada.

No decorrer do dia, dava gosto de ver minha lista cheia de “OKs” ao lado da pendência. Dei cabo de tudo e ainda fui dormir lá pela uma da madrugada, depois de uma sessão pipoca esparramada na cama. O filme? O remake de King Kong. É óbvio que sonhei que tinha um igualzinho na minha selva de pedra. E que eu era Ann.

Cardiologia Moderna

(00h05) -Cynthia? (sussurrando) 

(00h13) -Hum? (relutando para não sair de algum sonho maravilhoso) 

(00h13) -Estou com pressão alta! Meu coração está acelerado! Me ajuda! (voz trêmula, quase gritando) 

(00h15) -Beba água. Assim você faz xixi.

Virei pro lado e dormi.

Virgem passando por Áries

Cri-cri. É assim que estou. Cri-cri com limpeza. Cri-cri com arrumação. Cri-cri com minha agenda pessoal que deve ser seguida à risca. Cri-cri com alimentação, que deve ser variada e balanceada. Cri-cri com dinheiro. Cri-cri com coisinhas e coisonas. Ainda bem que isso não ultrapassa o portão da minha casa. Pelo menos ainda.