quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Cilada

 Josiane não aguentava mais as investidas de Maurílio, o galã daquela área do Macuco, Zona Portuária de Santos. Trabalhavam numa das inúmeras empresas de armazenagem de grãos para exportação da região. Ele, gerente de T.I. e chefe da CIPA; ela, auxiliar fiscal.

Quando chegou no seu primeiro dia de trabalho, há cinco meses, foi ele quem providenciou o seu “kit boas-vindas” com o nome da empresa, que consistia numa squeeze de plástico cheirando a tinta tóxica, caneta, caderno, crachá, capacete e colete de segurança, este amplamente sinalizado, já que passariam mais de dez horas por dia, seis dias por semana, numa das áreas mais perigosas do silo: a área administrativa.

Essa área ficava no final de um labirinto de colunas redondas e paredes de vidro. Era a base da estrutura cúbica de concreto, que media trinta metros de altura, armazenando, ininterruptamente, doze mil  toneladas de grãos. Não foram poucas as noites em que sonhou que tudo aquilo desabava e ela não conseguia achar a saída, acordando com falta de ar e muita preocupação.

Até tolerava as piadinhas vindas dos caminhoneiros que faziam fila na entrada da empresa, centenas deles por dia, uma fila interminável de caminhões vindos de todas as partes do Brasil, com os mais diversificados sotaques. Chegou a fazer amizade com alguns, ganhou mimos de outros, se achava sexy quando a engoliam com os olhos.

Mas Maurílio a incomodava. Muito. Demais. Ela sabia de um lance que falavam sobre assédio, mas achava que isso só se aplicava a casos muito extremos. E Maurílio era sutil. Mas incomodava. Ela não podia se dar ao luxo de perder aquele emprego que pagava em dia, era “registrada, de carteira assinada, plano de saúde Unimed”, um luxo sem precedentes na sua vida.

A sutileza dele estava em ir para cozinha quando ela estava só e elogiar a sua beleza. Mostrava e enviava vídeos eróticos pelo celular, dizia que era porque ele mandava para todo mundo que era da galera. Se ela estava na máquina de xerox, ele passava por trás roçando no seu corpo, para ela sentir que ele não ia sossegar enquanto não alcançasse o seu objetivo.

Um dia, Josiane cedeu. Estava triste, chovia e já estava há mais de uma hora esperando pelo primeiro de dois ônibus, da sua longa jornada de volta para casa. Aceitou a carona de Maurílio, que perguntou se ela não queria tomar um suco antes de ir para casa. O suco virou chope, um chope virou cinco, vieram os beijos e concluíram a noite na cama de Maurílio.

No dia seguinte, não entendeu quando, sorridente, desejou-lhe bom dia e ele fez de conta que não escutou. Também queria saber o porquê de a porta da sua sala ter permanecido trancada durante toda a manhã. Esperou pela hora do almoço e não acreditou quando o ouviu falando com um colega:  “pronto, ganhei, tá me devendo umas breja”.

 

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Welcome back

Éramos unha e carne, lá pelos idos de 1992, quando nos conhecemos no cursinho pré-vestibular que frequentávamos em turnos opostos. Vimos que, além dos amigos em comum, tínhamos também coisas em comum e a amizade foi se fortalecendo cada vez mais.

Eu era a estabanada e ele o sensato. Frequentava a minha casa, era meu personal trainer, confidente, conselheiro. Ninguém entendia essa amizade pura, genuína, esse amor fraternal que existia entre nós e logo os boatos de que estaríamos tendo algo mais se espalhou entre os nossos conhecidos. Não ligamos.

Arquiteto autodidata nato, talentosíssimo, trabalhava num escritório fazendo projetos pros outros assinarem. Chegou até a fazer um projeto de casa de praia pra minha tia. Para ele eu falei todas as agruras de uma adolescente confusa e que estava entrando na maioridade.

Eu também ouvia seus anseios, sonhos e preocupações. A gente não entendia como que a vida podia ser tão injusta, às vezes, com gente batalhadora, tipo nós.

Passei no vestibular, ele não. Arquitetura, na época, só tinha na Federal e ele teria ainda um longo percurso de estudos para ficar no páreo da concorrência. Continuamos muito amigos, ele me acompanhando nos shows e festinhas típicas da época de calouros.

Um belo dia em que eu não estava em minha casa e ele estava, pois trabalhou um período com meu pai, falou alguma coisa sobre eu ser ingênua e ainda ter muito o que aprender com a vida. Não gostei quando soube desta conversa, não sei exatamente o que não me caiu bem em ouvi-la. Soltei os cachorros em cima dele, sem chance de defesa. Deixei claro que ali acabava a nossa amizade. O orgulho cego fez com que eu, do dia pra noite, literalmente, o tirasse de vez da minha vida.

O tempo foi passando e sempre, lá um dia, eu lembrava dele. Sempre tive muita vontade de reencontrá-lo para tentar um pedido de perdão. Há uns dias consegui, finalmente, o contato de uma amiga em comum que tínhamos na época e fiquei muito feliz em ver que ele era seu contato no Facebook.

Mandei solicitação de amizade cheia de receios, achando que ele, no mínimo, ignoraria. Foi com muita alegria e surpresa que recebi uma mensagem sua e entendi que o meu ato impulsivo também tinha deixado marcas do lado de lá. Pedi perdão, ele me perdoou, botamos a conversa toda em dia e a sensação de ter uma pessoa tão cara de volta ao meu círculo é indescritível.

Hoje ele faz 50 anos, está com a vida totalmente diferente da que tinha naquela época, mas continua tendo um quê daquele Agnaldo lá de trás, meu grande e bom amigo de todas as horas, Agnaldo, o Van Damme da nossa tchurma.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Mas louco é quem me diz...

Conheço pelo menos três pessoas que saíram das redes sociais simplesmente por não suportarem a quantidade de hipocrisia reunida. Elas estão certas: todo mundo no Orkut, no Facebook ou no Twitter é bem-resolvido, é mais feliz, é mais rico. 

Fica aquela sensação de que somos incompetentes ou que estamos de penetra numa festa que não é nossa – só os bem-sucedidos foram convidados. Eu já tive a minha crise Orkutiana, não é de hoje. Queria, a todo custo, descobrir onde aquela gente arranjava tanta coisa legal pra fazer e com pessoas tão igualmente legais. 

Essa neura se dissipou quando comecei a saber o que se passava nos bastidores, do lado de lá: amigos frustrados, tentando a todo custo fazer de conta que a vida era bela. Sem contar os genuinamente infelizes que encontravam, na ilusão de um perfil, a projeção do que gostariam ser um dia. 

Conclui que quando a gente está realmente feliz, tudo dando muito certo na nossa vida, nós até deixamos escapar uma ou outra informação aqui ou acolá, mas não escancaramos tudo não. Felicidade é como um filho, que a gente tem que cuidar, preservar e apresentar ao mundo na hora certa.

terça-feira, 5 de julho de 2011

My way

Desenvolvi um estranho método de dar valor à minha vida: ao invés de agradecer a Papai do Céu todo santo dia pelo que tenho hoje, agradeço pelo que perdi lá atrás. Como faço isso? Fico imaginando como estaria hoje se tivesse tomado outro caminho, bem ao estilo “Efeito Borboleta”. O desfecho? Até hoje não teve um digno de ser chorado como leite derramado, juro. Moral da história? Minha terapeuta ficaria orgulhosa se lesse esse texto um dia.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Paura

O Brasil chocado com o que vimos ontem no Rio, não se comenta outra coisa nas ruas. Ouvi até de um mais empolgado dizer que o país está tão desenvolvido que já está tendo problemas de lugares ricos. Enfim. 

O que sempre me deixou em pânico em relação a esse tipo de crime é o não querer nada em troca, sabe? O fulano tem um ideal louco na cabeça e uma arma na mão e pronto. Faz o estrago e se mata, fim, the end, caso encerrado. Simples assim. Deixa uma cartinha, aparece uma ou outra pessoa próxima pra dizer que o cara era meio esquisitão e não tem mais o que se fazer. Tem coisa mais aterrorizante que terrorismo?

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Momento "servidor da empresa fora do ar"

- Gente, o meu sonho de ir pro Tahiti está mais próximo de ser realizado! 

Colega 1, menino: - Vai assaltar um banco? 

Colega 2, menino: - Conta que eu também quero ir. 

- Descobri que eu posso pegar um vôo São Paulo-Santiago outro Santiago-Ilha de Páscoa e finalmente um Ilha de Páscoa-Papeete! 

Colega 1, menino: - Qual a vantagem nisso? 

- Não vou ficar enclausurada mais de 20 horas num avião. 

Colega 1, menino: - Não é melhor 20 horas direto do que esse monte de conexão, levando-se em conta que 99% dos acidentes com avião são no pouso e na decolagem? 

Colega 2, menino: -kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk!!! 

- Eu acho que preciso é de terapia. 

Colega 1, menino: - TER A PIA cheia de louça pra lavar? 

Colega 2, menino: - Meu, você hoje tá inspirado, kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk!!! 

Coelga 3, menina: - Às vezes funciona, sabia? 

Colega 2, menino: - Cuidado que ela pode te processar alegando machismo. 

Colega 3, menina: - Ou assédio... assédio o quê mesmo, nesse caso? 

Chefe aflito, responsável pelo nosso ócio momentâneo, gritando da sala do servidor: - Calma, gente, daqui a pouco volta ao normal!!!

terça-feira, 12 de abril de 2011

Prefiro as máquinas

Ou você confia em mim ou não confia. Quer me deixar p da vida? Me pergunte uma coisa, faça de conta que aceitou a resposta e depois pergunte a mesmíssima coisa pra outra pessoa. 

Eu tinha uma colega de trabalho que vivia me pedindo ajuda nos exercícios de inglês. Até um dia que descobri que ela, depois de ouvir a minha explicação, perguntava a outro colega nosso também. Só descobrimos quando ele, na dúvida sobre a utilização de um verbo, me perguntou e acabamos desmascarando a danada. 

Meu pai tem essa mania quando o assunto é a sua nova paixão, informática. Vem, me pergunta como faz isso ou aquilo, eu viro as costas ele pergunta pra minha irmã ou pro meu cunhado. Se não confia, pra quê me encher o saco? E olha que quando eu não tenho certeza eu pesquiso, na maior consideração com a pessoa que confiou em mim. 

Hoje foi um consultor: me mandou um e-mail do tamanho do mundo pedindo pra eu confirmar por escrito o que tínhamos conversado ontem por telefone. Segundo ele, precisava de maior precisão na informação – perguntou até se eu tinha certeza do que tinha dito antes. Atendi o seu pedido e fiz um texto muito lindo, repetindo cada palavra das instruções que lhe dei um dia antes. O que eu recebo agora? Um e-mail do gerente dele, destinado ao desenvolvedor do software daqui da empresa, pedindo que ele diga o que é realmente correto. 

Por que a humanidade é tão tosca?