segunda-feira, 14 de julho de 2008

Nita

Ela trabalhava na casa dos meus avós e foi a minha primeira confidente. Chamava-se Helenita, mas odiava o nome por ser “de velho”. Uns quinze anos nos separavam, mas era ela quem me deixava por dentro dos últimos hits da rádio (Ritchie no seu auge), me ajudava nos deveres de casa e, num mundo sem internet, era solidária na minha aflição quando precisava fazer alguma pesquisa mais profunda: vinha com os seus livros de sétima série tentar adequar a linguagem ao que minha segunda série exigia.

Foi com ela que li, sem entender muito, “Fatos e Fotos” e umas outras fotonovelas cujos nomes não me lembro. Inventava milhares de rubricas, cada uma com o sobrenome de um artista diferente, pois era apaixonada por todos. Ficou toda eufórica quando começou a virem de brinde exemplares de Júlia e Bianca na caixa do OMO.

Ela e meu avô se revezavam na tarefa de me levar e buscar na escola. Eu sempre torcia para, no final da tarde, lá no portão, estivesse Nita à minha espera, pois com ela vinha a proposta indecente: “Vamos voltar pra casa andando e com o dinheiro do ônibus tomar sorvete?”. Aquilo pra mim era o cúmulo da transgressão e assim íamos, eu toda envaidecida pelo segredo com um adulto e ela maldizendo os rapazes que sempre diziam as mesmas coisas quando passávamos.

Estudava à noite e mais parecia que ia para uma festa. Dizia que alguns colegas de classe eram bonitos, mas ela gostava mesmo era do professor de História. A parede do seu quarto era cheia de pôsteres dos galãs da época. Quando estava de mau humor, não me dava muita bola. Sequer me fazia os penteados “de mocinha”. Quando estava namorando, era Ritchie o dia inteiro. Quando terminava, idem. Ela era assim. Perdi as contas das vezes em que, quando eu já não morava com os meus avós, ela sumia e aparecia, como num passe mágica. Dizia que era bruxa e eu acreditava. 

Fazia parte da família, confundia tudo, brigava com o meu avô, com minhas tias, se achava a dona da razão. Toda a família achava um absurdo quando ela levantava a voz ou quando simplesmente saía de folga e não voltava e nem dava notícias. Mas, na hora do aperto, chama Nita. “Será possível que essa menina não vai criar juízo?” virou um mantra para minha avó.

Ela criou juízo. Conheceu um moço sério, arranjou emprego num escritório, engravidou. Aos oito meses de gravidez, cheia de juízo e amor para dar, Nita morreu de meningite. Antes dos trinta anos. Eu só soube uns quatro meses depois.

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